Corpo de Gustavo foi carregado por amigos e familiares (Foto: Tatiana Lopes/G1)
Sob forte calor, pouco depois das 16h desta quarta-feira, parentes e
amigos se despediram de Gustavo Marques Gonçalves, a vitima de número
235 da tragédia da boate Kiss, que pegou fogo na madrugada de domingo
(27). Ele estava internado no Hospital de Pronto Socorro de Porto
Alegre, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na noite da última
terça-feira.
Depois de minutos de silêncio, apenas com algumas trocas de palavras de
conforto, em voz baixa, e som de choro, o corpo de Gustavo foi colocado
ao lado do irmão Deives Marques Gonçalves, 33 anos, também vítima do
incêndio. A despedida se encerrou com aplausos e abraços de dezenas de
pessoas que compareceram ao enterro.
Elaine Gonçalves durante o sepultamento do
filho Gustavo (Foto: Tatiana Lopes/G1)
Amparada por profissionais da saúde, a mãe Elaine Gonçalves se mostrou
forte, ao mesmo tempo que não escondia o sofrimento. Sorrisos no rosto
dela, ainda que tímidos, agradeciam os abraços e os pêsames dos amigos e
familiares. Junto, sempre um "obrigada".
Mais cedo, na chegada ao velório de dois filhos, Eliane teve de ser amparada por amigos e familiares.
"Eles saíam de noite e eu sempre os abençoava. Me perguntavam como eu
conseguia dormir com dois filhos na rua. Não adiantava sair com eles.
Que Deus os abençoe", disse ao G1 a mãe dos dois jovens mortos.
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande
do Sul, deixou 235 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo
teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que
fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de
sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento
por investigadores, é possível afirmar que:
- O vocalista da banda Gurizada Fandangueira
segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era
comum a utilização de fogos no palco durante apresentações do grupo musical.
- A banda comprou um modelo de
sinalizador proibido para ambientes fechados.
- Pelo menos um extintor de incêndio
não funcionou ao ser manipulado pelo segurança.
- Havia
mais público do que a capacidade de 691 lugares apontada pelos Bombeiros.
- A boate tinha apenas
um acesso, para entrada e saída, sem saídas de emergência.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros
estava vencido desde 10 de agosto de 2012.
- Mais de
180 corpos de frequentadores foram retirados dos banheiros da casa noturna.
- Cerca de 90% das vítimas fatais tiveram como causa da morte
asfixia mecânica.
- Os
equipamentos de gravação de imagens estavam em uma empresa de manutenção.
(
Veja o que já se sabe e as perguntas a responder)
Prisões
Quatro pessoa foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da
boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista
da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do
grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros
serviços.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao
G1 na terça-feira (29) que
uma soma de quatro fatores
contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a
boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de
um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no
local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais
indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na
terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate
estava irregular e
não podia estar funcionando.
"Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes",
disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser
corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais",
completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um
sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que
não deveria ser usado durante show em local fechado.
"O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para
ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para
economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais
barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que
segurou um sinalizador aceso
durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O
músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato
tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse
tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
Responsabilidades
A boate Kiss
desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal
no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a
legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam
exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma
segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha
apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi
cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento
utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a
boate não estava em desacordo
com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de
saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao
possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não
davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através
de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu
colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo
de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em
"plenas condições" de receber a festa.
Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a
banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela
noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o
local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria
se eximiu de responsabilidade
pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de
validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de
Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas
sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano
corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de
2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna
tinha todas as exigências estabelecidas
pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua
responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não
vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para
investigar a possibilidade de improbidade administrativa
por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de
Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate
Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e
sanitária vencidas.
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