segunda-feira, 8 de setembro de 2014

por Alysson Muotri

O tigre, o garoto, o braço fantasma e um convite

Vrajamani tigre
Difícil não sentir empatia pelo garoto de 11 anos, Vrajamany Rocha, que teve o braço amputado após o ataque de um tigre no zoológico de Cascavel, no Paraná, em junho deste ano. A tragédia comoveu o país e só nos resta apoiar e torcer pela superação do trauma. O menino tem atitude muito positiva e dá indícios que quer se reabilitar rapidamente, aprendendo a usar o braço esquerdo para atividades do dia a dia. Não tenho dúvidas que vai conseguir, pois alia a plasticidade cerebral com otimismo, fatores essenciais para o sucesso de atividades complexas. Esses dias porém, começou a se queixar de dores no braço amputado, que ainda existe apenas mentalmente. Por mais inacreditável que pareça, a dor sentida é real, mesmo que o braço não faça mais parte do corpo.
O fenômeno conhecido como “membro fantasma” acontece quando uma perna ou braço precisa ser amputado e o indivíduo continua sentindo a presença vivida do membro retirado. Por isso o nome de “membro fantasma”. Na verdade, o fenômeno é ainda mais abrangente e não restrito a braços e pernas, mas inclusive partes internas e viscerais do corpo humano. Diversas mulheres, por exemplo, reclamam de cãibras menstruais fantasmas, mesmo após a remoção do útero. Essa ilusão sensorial parece estar relacionada com a incapacidade do córtex pré-frontal em aceitar uma remodelagem da imagem corporal própria.
Em cerca de 50% dos casos de membros amputados, os indivíduos são capazes de descrever movimentos e sensações táteis, como se continuassem a comandar as partes retiradas. Os pacientes não estão iludidos, pelo contrário, têm plena consciência da amputação, mas relatam que a sensação dos movimentos é real. Na outra metade dos casos acontece o oposto – a sensação é de ter o membro amputado constantemente paralisado, em geral numa posição tensa, com punhos fechados, causando dor ao indivíduo. É um problema clínico grave, muitas vezes levando à depressão e ao suicídio. Uma das explicações para o fenômeno sugere que a dor sentida fisicamente surge da incapacidade do cérebro em controlar o braço amputado, criando um circuito de comando negativo entre o cérebro e a imagem projetada do membro fantasma.
Por incrível que pareça, uma das terapias mais eficazes nesses casos é feita de uma forma bem simples e barata. A ideia é enganar o cérebro, fazendo com que tente relaxar o membro ao mesmo tempo em que ganha um reforço visual positivo, indicando que o comando está sendo obedecido e diminuindo a dor. O procedimento é trivial e foi desenvolvida por um colega meu da Universidade da Califórnia em San Diego, o famoso neurocientista V.S. Ramachandran. O indivíduo trabalha com um espelho entre o membro amputado e o real e observa a imagem projetada no espelho ao mesmo tempo em que seu cérebro comanda o membro fantasma. Ao mover o membro real e observar a imagem refletida no espelho, cria-se uma impressão visual, sugerindo que o membro amputado estaria de fato respondendo ao comando do cérebro, aliviando a tensão e a dor. Requer um certo treinamento, mas funciona.
Esse tipo de terapia sugerida mostra a importância do estímulo visual nesse processo e tem ajudado milhares de amputados mundo afora, sendo mais eficiente que uma série de medicamentos para dor. Melhor ainda, a terapia também auxilia pessoas com outros problemas neurológicos que afetam a percepção sensorial do próprio corpo, como certos tipos de derrame que causam paralisia. O espelho tem sido substituído em alguns lugares por terapias mais sofisticadas usando realidade virtual, mas o truque é o mesmo.
Fica registrada meu conselho ao Vrajamany e a sua equipe clínica, que comece o treinamento o quanto antes. Tenho certeza de que vai ajudar a aliviar a dor e permitir que o guri se desenvolva com todo seu potencial, quem sabe um dia se tornando um outro grande neurocientista.
Se gostar da sugestão, convite feito para visitar nosso laboratório de células-tronco e plasticidade neural na Califórnia.* Foto: Reprodução/TV Globo

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