quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Mãe enterra dois filhos que morreu na trajedia da boate na cidade de Santa Maria


30/01/2013 17h41 - Atualizado em 30/01/2013 18h37

Mãe enterra segundo filho morto em incêndio em boate de Santa Maria

Mãe do jovem já havia perdido outro filho na tragédia em boate.
Corpo de Gustavo foi colocado ao lado do irmão Deives Gonçalves.

Tatiana Lopes Do G1 RS
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Multidão faz vigília em homenagem às vítimas da boate Kiss em Santa Maria (Foto: Tatiana Lopes/G1)Corpo de Gustavo foi carregado por amigos e familiares (Foto: Tatiana Lopes/G1)
Sob forte calor, pouco depois das 16h desta quarta-feira, parentes e amigos se despediram de Gustavo Marques Gonçalves, a vitima de número 235 da tragédia da boate Kiss, que pegou fogo na madrugada de domingo (27). Ele estava internado no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, mas não resistiu aos ferimentos e morreu na noite da última terça-feira.

Depois de minutos de silêncio, apenas com algumas trocas de palavras de conforto, em voz baixa, e som de choro, o corpo de Gustavo foi colocado ao lado do irmão Deives Marques Gonçalves, 33 anos, também vítima do incêndio. A despedida se encerrou com aplausos e abraços de dezenas de pessoas que compareceram ao enterro.

Elaine Gonçalves durante o sepultamento do filho Gustavo (Foto: Tatiana Lopes/G1)Elaine Gonçalves durante o sepultamento do
filho Gustavo (Foto: Tatiana Lopes/G1)
Amparada por profissionais da saúde, a mãe Elaine Gonçalves se mostrou forte, ao mesmo tempo que não escondia o sofrimento. Sorrisos no rosto dela, ainda que tímidos, agradeciam os abraços e os pêsames dos amigos e familiares. Junto, sempre um "obrigada".

Mais cedo, na chegada ao velório de dois filhos, Eliane teve de ser amparada por amigos e familiares.

"Eles saíam de noite e eu sempre os abençoava. Me perguntavam como eu conseguia dormir com dois filhos na rua. Não adiantava sair com eles. Que Deus os abençoe", disse ao G1 a mãe dos dois jovens mortos.

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 235 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:
- O vocalista da banda Gurizada Fandangueira segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos no palco durante apresentações do grupo musical.
- A banda comprou um modelo de sinalizador proibido para ambientes fechados.
- Pelo menos um extintor de incêndio não funcionou ao ser manipulado pelo segurança.
- Havia mais público do que a capacidade de 691 lugares apontada pelos Bombeiros.
- A boate tinha apenas um acesso, para entrada e saída, sem saídas de emergência.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido desde 10 de agosto de 2012.
- Mais de 180 corpos de frequentadores foram retirados dos banheiros da casa noturna.
- Cerca de 90% das vítimas fatais tiveram como causa da morte asfixia mecânica.
- Os equipamentos de gravação de imagens estavam em uma empresa de manutenção.
(Veja o que já se sabe e as perguntas a responder)
Prisões
Quatro pessoa foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
Responsabilidades
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.
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Infográfico: tragédia de Santa Maria - 29/01 (Foto: Editoria de Arte/G1)
 

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