quarta-feira, 8 de maio de 2013
Conselho Federal de Medicina quer atestar morte cerebral sem neurologista
Sob a alegação de que pretende acelerar transplantes, nova
proposta dispensa exigência de um neurologista e reduz tempo para
comprovação da morte
Morte cerebral: além do eletroencefalograma, o CFM pretende incorporar
testes como arteriografias e Doppler transcraniano para atestar a
inatividade do cérebro(Thinkstock). “"O Brasil é exageradamente
cauteloso para identificar a morte cerebral"” — Rosana Reis Nothen,
médica intensivista e integrante da equipe de especialistas convocada
pelo CFM para revisar a protocolo.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem pronta uma proposta para mudar
os critérios que definem a morte encefálica. O projeto mantém a
necessidade de o laudo ser assinado por dois médicos, mas dispensa a
exigência de que um deles seja neurologista. Se aprovado, bastará que
dois profissionais, de qualquer especialidade, sejam reconhecidamente
capazes de fazer a declaração — em um período menor de tempo. A medida
ainda reduz o intervalo entre os testes que comprovam a morte cerebral
de seis para uma hora.
A proposta, já apresentada à Casa Civil, pretende dar mais agilidade ao
processo e, consequentemente, beneficiar o sistema de captação de órgãos
para transplante. “Em grandes centros, a oferta é maior. "Mas em
cidades menores, raros são os hospitais que têm neurologistas de
plantão"”, afirma o diretor do Hospital do Rim e Hipertensão, em São
Paulo, José Osmar Medina.
A identificação da morte cerebral é o primeiro passo para que o paciente
possa tornar-se doador de órgãos. Quando há concordância da família —
após a confirmação da morte cerebral —, é iniciado todo o processo, com a
notificação da central de captação. Sem o neurologista para atestá-la,
mesmo que a família concorde, o processo não vai para frente.
A redução do tempo de espera entre a realização dos dois exames clínicos
é igualmente importante para resguardar órgãos com potencial para
transplante. Se os testes forem feitos mais rapidamente, a chance de o
paciente sofrer uma parada cardíaca diminui. Mas a mudança no tempo só é
indicada pelo CFM a pacientes adultos, que estejam em tratamento por
pelo menos seis horas. “"O Brasil é exageradamente cauteloso para
identificar a morte cerebral. A ideia é adotar um padrão igualmente
seguro, mais moderno e mais ágil"”, afirma a médica intensivista Rosana
Reis Nothen, integrante da equipe de especialistas convocada pelo CFM
para fazer a revisão do protocolo.
Rosana avalia que as exigências atuais provocam uma lentidão
desnecessária ao processo. "“O paciente com morte cerebral não tem
recuperação. Não há por que mantê-lo ocupando um leito de UTI,
demandando tratamento de profissionais altamente especializados se nada
vai fazer com que ele recupere a atividade cerebral"”, avalia. Para a
médica intensivista, essa demora acaba provocando problemas que
transcendem a lista de espera de transplantes no Brasil. “"Vagas em UTIs
são reduzidas, mesmo no sistema privado de saúde. Não faz sentido
manter ali um paciente que já está morto”."
Apoio — A proposta tem o apoio de neurologistas ouvidos pela
reportagem. Representantes da classe, porém, ressaltam a necessidade de
se oferecer capacitação aos médicos que dividirão a função após a
reforma na legislação. “O exame que é feito para detectar a morte também
deve ser bastante estruturado. "Quem estiver treinado deve seguir todos
os passos, mas poderá fazê-lo sem problemas"”, afirma Gisele Sampaio
Silva, neurologista do hospital Albert Einstein. Segundo Gisele, o
médico terá a segurança ainda do exame complementar, que continuará
obrigatório após os laudos clínicos. “"No Brasil, não temos notícia de
discordância entre os testes"”, diz.
Testes — O CFM ainda quer incorporar mais testes para comprovar a
inatividade do cérebro. Além do eletroencefalograma, poderiam ser
usadas tecnologias como arteriografias e Doppler transcraniano. Para
Rosana, o protocolo brasileiro está pelo menos 15 anos atrasado. O CFM,
por nota, informou que as regras ainda deverão ser debatidas no plenário
do colegiado. Isso, no entanto, somente será feito depois que a
regulamentação da lei de transplantes for alterada. “Sem uma mudança na
norma, o médico poderia ser questionado na Justiça.”
Da Redação com Veja
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