quinta-feira, 17 de julho de 2014

O mundo



17/07/2014

Mesmo em 'prisão a céu aberto', moradores de Gaza nem sempre apoiam cessar-fogo
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Anne Barnard
Na Cidade de Gaza (Faixa de Gaza)
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Maher al-Jarba, 2 anos, uma das primeiras vítimas na Faixa de Gaza quando Israel retomou os ataques aéreos após uma pausa de seis horas na terça-feira (15), se encolhia de pavor em um leito no pronto-socorro, enquanto uma enfermeira espetava uma agulha em sua mão. Uma explosão derrubou o menino de cabelos encaracolados por 11 degraus de pedra, fraturando seu crânio.

Alguém poderia esperar que sua avó, Wedad al-Jarba, estaria furiosa pelo Hamas, o grupo militante que domina a Faixa de Gaza, não ter aceito o cessar-fogo proposto pelo Egito. Em vez disso, ela deu de ombros. Como muitos gazanos entrevistados, ela disse que anseia por um acordo –um que mude a vida em Gaza. Mas ela duvidava que a proposta do Egito pudesse fazer isso.
Arte UOL
Mapa mostra localização de Israel, Cisjordânia e Gaza
 "Toda vez há um cessar-fogo, mas então tudo volta: o sítio, os fechamentos", disse. "E então eles bombardeiam de novo." 
Essa ambivalência predomina na Faixa de Gaza, um enclave palestino estreito de 40 quilômetros de extensão, ensanduichado entre Israel, Egito e o mar. Isso pode explicar porque um Hamas sitiado continua disparando mesmo após as autoridades israelenses terem declarado que essa decisão justificaria uma nova escalada.

Israel ocupou Gaza durante a Guerra dos Seis Dias de 1967 e controla suas fronteiras, espaço aéreo e mares mesmo agora, quase nove anos após retirar seus colonos e tropas. Desde então, restrições severas na prática representam um bloqueio, reduzindo as importações e exportações a um mínimo e impedindo todos os gazanos, com exceção de uns poucos, de partirem. Guerras breves, porém devastadoras, aprofundam a miséria.

Muitos deles se dizem divididos entre querer desesperadamente um fim do bombardeio atual, que já matou quase 200 palestinos aqui, incluindo cerca de 40 crianças, e uma crescente convicção de que não podem retornar à mesma situação de antes. Até mesmo muitos oponentes do Hamas aqui apoiam de forma geral suas exigências de que Israel solte prisioneiros e, assim como o Egito, suspenda as restrições na fronteira que estrangulam a fraca economia.
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Nas redes sociais, internautas pedem cessar-fogo entre Israel e Hamas25 fotos

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Usuários do Facebook e Twitter aderiram a uma campanha lançada pela Anistia Internacional para que haja um cessar-fogo entre Israel e grupos armados palestinos, entre eles o Hamas. Com as hashtags ''Stop'' (Parem) e ''CiviliansUnderFire'' (Civis Sob Fogo) escritas na palma da mão, vários internautas ao redor do mundo pedem o fim dos ataques, que já mataram ao menos 200 palestinos e um israelense Leia maisReprodução/Facebook/AmnestyGlobal

"Todo mundo quer que pare", disse o dr. Ayman al-Sahbani, o chefe do pronto-socorro do Al-Shifa Hospital daqui. "Quem quer ser bombardeado?"

Buscando explicar o problema em Gaza, ele listou os suprimentos que o hospital carece por causa das restrições às importações, mesmo em Shifa, que ao menos pode realizar a tomografia computadorizada que Maher precisava, mas não era possível em outro hospital mais próximo de casa. Mas então o médico interrompeu a si mesmo. A questão não é de bens materiais, ele disse –é de liberdades que a maioria das pessoas toma como certas.

Às vezes, ele acha que Israel e o mundo simplesmente não entendem como é para os habitantes de Gaza, em geral, não poderem sair do que muitos chamam de prisão a céu aberto.

"Será que não sabem, ou será que os povos deles são compostos de pessoas e o nosso não é?" disse, acrescentando que não pode ir a conferências médicas e sua esposa, uma ucraniana, não vai para casa há anos por temer que não seja autorizada a voltar.

Poucas horas de alívio
Sob uma tamareira no café Batoon, na noite de terça-feira, três velhos amigos descreviam como passaram suas preciosas seis horas sem ataques aéreos –fazendo compras e visitando adultos e crianças que não viram durante a semana passada amontoados em locais fechados.

Os amigos concluíram que o Hamas não podia aceitar um acordo de  cessar-fogo feito sem sua participação e um que não refletia as aspirações palestinas. "Nós temos o direito de nos defendermos contra a ocupação", disse um, Radwan Abu Haseera, 36 anos, um professor de administração.
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Morte de jovens reacende conflito entre Israel e Palestina145 fotos

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17.jul.2014 - Família palestina se reúne dentro do que sobrou da casa, atingida por um ataque aéreo israelense, na Cidade de Gaza. Na quarta-feira, um bombardeio israelense matou quatro meninos palestinos em uma praia. No mesmo dia, Hamas e Israel acordaram em uma trégua de cinco horas, solicitada pela ONU para socorro humanitário. Após o nono dia de ataques, 216 palestinos foram mortos, a maioria civis. Do lado israelense, um civil foi morto por um dos mais de 1.000 foguetes palestinos disparados Leia mais Finbarr O'Reilly/Reuters

Outro, dando apenas um apelido, Abu Anas, 45 anos, disse ter ficado surpreso pelo Hamas não ter feito uma pausa nos seus ataques. Muitos gazanos se opõem ao Hamas, mas são impotentes contra suas armas, ele disse, e apesar das diferenças serem esquecidas sob fogo israelense, as pessoas querem mudança e paz, mesmo que isso implique em concessões.
"As pessoas aqui parecem inabaláveis", disse, "mas psicologicamente estão muito cansadas". Sua filha de 2 anos "olha para o céu e pensa que as nuvens são fumaça de foguetes".

"Ela olha para as estrelas", disse, "e acha que são aviões".

Mas os apoiadores do Hamas viram a proposta de cessar-fogo com profunda suspeita. Antes, quando representantes da Autoridade Palestina, que apoiou o acordo, visitaram o hospital, agentes de segurança do Hamas e seus apoiadores atiraram sapatos neles. Então vibraram quando um foguete foi lançado.

"Ya Qassam, ya habib", cantavam, usando um termo carinhoso para as brigadas militantes do Hamas que disparam os foguetes. "Ataquem, ataquem Tel Aviv."
BBC/Arte UOL
Conheça os pontos da negociação entre Israel e palestinos
  • Estado palestino 
    Os palestinos querem um Estado plenamente soberano e independente na Cisjordânia e na faixa de Gaza, com a capital em Jerusalém Oriental. Israel quer um Estado palestino desmilitarizado, presença militar no Vale da Cisjordânia da Jordânia e manutenção do controle de seu espaço aéreo e das fronteiras exteriores
  • Fronteiras e assentamentos judeus 
    Os palestinos querem que Israel saia dos territórios que ocupou após a Guerra dos Seis Dias (1967) e desmantele por completo os assentamentos judeus. Qualquer área dada aos israelenses seria recompensada. Israel descarta voltar às fronteiras anteriores a 1967, mas aceita deixar partes da Cisjordânia se puder anexar os maiores assentamentos. Israel já retirou tropas e população da faixa de Gaza.
  • Jerusalém 
    Israel anexou a área árabe da Jordânia após 1967 e não aceita a dividir Jerusalém por considerar o local o centro político e religioso da população judia. Já os palestinos querem o leste de Jerusalém como capital do futuro Estado da Palestina. O leste de Jerusalém é considerado um dos lugares sagrados do Islã. A comunidade não reconhece a anexação feita por Israel.
  • Refugiados 
    Há cerca de 5 milhões de refugiados palestinos, a maioria deles descendentes dos 760 mil palestinos que foram expulsos de suas terras na criação do Estado de Israel, em 1948. Os palestinos exigem que Israel reconheça seu "direito ao retorno", o que Israel rejeita por temer a destruição do Estado de Israel pela demografia. Já Israel quer que os palestinos reconheçam seu Estado.
  • Segurança 
    Israel teme que um Estado palestino caia nas mãos do grupo extremista Hamas e seja usado para atacar os judeus. Por isso, insiste em manter medidas de segurança no vale do rio Jordão e pedem que o Estado palestino seja amplamente desmilitarizado. Já os palestinos querem que seu Estado tenha o máximo de atributos de um Estado comum.
  • Água 
    Israel controla a maioria das fontes subterrâneas da Cisjordânia. Os palestinos querem uma distribuição mais igualitária do recurso.
Tradutor: George El Khouri Andolfato


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